Documento apresenta uma síntese das descobertas publicadas na literatura científica sobre os riscos do processo de transgenia
Em
julho de 2013, foi publicado um novo relatório a respeito dos riscos
associados ao consumo de plantas transgênicas. O documento intitulado
“Levantamento e análise de estudos e dados técnicos referentes ao
consumo de plantas transgênicas: o caso do NK603”, de autoria do
pesquisador Gilles Ferment, foi publicado pelo Núcleo de Estudos
Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) do Ministério do Desenvolvimento
Agrário e realizado com o apoio da Órgão das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura (FAO). Ferment
apresenta uma síntese das descobertas publicadas na literatura
científica, tanto sobre os riscos gerais ligados ao próprio processo de
transgenia, como sobre os riscos relacionados ao consumo de plantas que
sintetizam uma toxina Bt (tóxica a lagartas) e/ou toleram altas doses de
herbicidas – juntos, esses dois tipos de plantas representam quase a
totalidade dos transgênicos plantados no mundo.
Na
segunda parte do relatório, o autor aprofunda a questão dos riscos
associados ao consumo do milho NK603, tolerante aos herbicidas a base de
Roundup. Esse milho foi objeto de avaliação toxicológica independente
realizada por pesquisadores franceses, que apontou riscos sanitários
graves relacionados ao consumo do produto no longo prazo.
O
autor ressalta que, embora a literatura científica sobre riscos dos
transgênicos à saúde sempre tenha sido relativamente escassa, o volume
de publicações científicas sobre o tema aumentou consideravelmente nos
últimos anos e, atualmente, existem mais de cem estudos de toxicidade
focados no consumo de ração à base de diferentes plantas transgênicas.
Um
dado importante obtido da avaliação desses estudos é que, embora exista
um equilíbrio entre os estudos que apontam para riscos para a saúde e
aqueles que concluem pela ausência de riscos, a maioria dos estudos que
consideram as plantas transgênicas avaliadas tão seguras quanto as
plantas convencionais foram realizados pelas empresas de biotecnologia
que comercializam esses produtos.
Com relação aos
riscos relacionados ao próprio processo da transgenia, Ferment observa
que são amplamente documentadas na literatura científica as alterações
indesejadas nas sequências genômicas que são transferidas através da
modificação genética. Essas alterações são devidas ao fato de o processo
de transgenia atualmente empregado constituir uma ferramenta de
biologia molecular bastante aleatória e imprecisa. Além disto, a
experiência mostra que a integridade do transgene após processo de
inserção na célula hospedeira é raramente preservada.
Ferment
destaca que, mesmo se melhorias técnicas forem realizadas no
direcionamento da inserção de transgenes no DNA de células vegetais, a
falta de conhecimento científico relativo ao funcionamento global do
genoma impede os pesquisadores de determinar um local de inserção isento
de desdobramentos biológicos não desejados. Descobertas recentes a
respeito das funções do chamado “DNA lixo” (que representa cerca de 98%
do genoma humano, por exemplo) apontam que não existe local no genoma do
organismo a ser transformado onde a transgenia não irá alterar a
expressão gênica de um ou vários processos biológicos.
Na
parte do relatório dedicada aos riscos específicos associados ao
consumo de plantas geneticamente modificadas para produzir uma toxina
inseticida Bt, têm destaque as evidências científicas demonstrando que,
ao contrário do que alegam a indústria e os cientistas defensores da
tecnologia, essas proteínas são biologicamente ativas em humanos que
consomem as plantas Bt. O autor cita estudos realizados em laboratório
que demonstraram que as proteínas Bt podem desencadear uma reação imune
ou favorecer respostas imunológicas a outras substâncias, bem como
estudos cujos resultados apontam que a suposta total degradação das
proteínas Bt durante o processo de digestão em mamíferos não ocorre na
realidade.
O autor acrescenta que a maioria dos
estudos toxicológicos realizados com cobaias animais disponíveis na
literatura científica aponta para a existência de perturbações
metabólicas e/ou fisiológicas relacionadas ao consumo de plantas
inseticidas.
Entre os riscos específicos
associados ao consumo de plantas geneticamente modificadas para tolerar
altas doses de herbicidas detalhados pelo autor está, em primeiro lugar,
o significativo aumento do volume de herbicidas verificado nessas
lavouras e o consequente aumento do consumo de resíduos de herbicidas
pelos humanos. Ferment destaca em seguida a questão da subestimação da
classificação toxicológica dos herbicidas a base de glifosato, uma vez
que já existem atualmente na literatura científica dezenas de estudos
que apontam danos toxicológicos em animais ou em células humanas
associados ao contato com o glifosato e suas formulações comerciais como
o Roundup.
Por fim, a esse respeito, o autor
lista uma grande quantidade de exemplos de estudos científicos que
apontam a existência de perturbações metabólicas e endócrinas
resultantes do consumo de plantas transgênicas tolerantes a herbicidas
(HT). No caso da soja RR, por exemplo, pesquisas de longo prazo
observaram uma diminuição das enzimas digestivas (pâncreas), alterações
da estrutura celular e da expressão gênica em vários tecidos/órgãos
(rins e fígado principalmente) e o aumento da atividade metabólica do
fígado. Um dos estudos citados observou alteração na estrutura e função
dos testículos em ratos que consumiram a soja.
Outros
trabalhos referidos levantam graves questões em relação a perturbações
endócrinas provavelmente resultantes do consumo de plantas transgênicas
HT. Têm destaque, nesse caso, os resultados obtidos pela pesquisa
francesa a respeito do milho NK603, tolerante à aplicação do herbicida
Roundup (a base de glifosato). O aprofundamento da análise desse estudo é
justamente o foco da segunda parte do relatório de Ferment.
O
autor ressalta que a pesquisa francesa de toxicologia, realizada pela
equipe do professor Gilles-Eric Séralini, foi a única até hoje a
analisar os efeitos do consumo de um milho transgênico HT durante
período correspondente à vida inteira de um animal modelo (neste caso, o
rato). O estudo comprovou cientificamente a existência de perturbações
endócrinas e anormalidades hepato-renais nos ratos alimentados com o
milho NK603, com e sem o herbicida Roundup, provavelmente indutores de
cânceres hormônio-dependentes nesses mesmos animais. As perturbações
metabólicas e fisiológicas envolvendo mecanismos hormonais eram
sexo-dependentes: nas fêmeas, onde os efeitos de perturbação endócrina
foram mais pronunciados, a hipófise foi o segundo órgão mais afetado,
após as glândulas mamárias, que desenvolveram a maioria dos tumores
observados. Tais perturbações sexo-dependentes não são inusitadas e já
haviam sido relatadas em artigos anteriores publicados pela equipe do
professor Séralini.
Também foram observados
efeitos citotóxicos: os processos de necrose e de congestão do fígado
foram 2,5 - 5,5 vezes maiores nos machos de determinados grupos testes.
Além disso, as análises bioquímicas revelaram graves perturbações nas
funções renais, em ambos os sexos, totalizando 76% dos parâmetros
alterados monitorados no estudo.
Ferment discute
ainda a polêmica que se seguiu à publicação do estudo, aprofundando
questões como escolha da raça de ratos utilizada, o número de animais
usados nos experimentos e a metodologia estatística empregada.
Por
fim, o autor aborda o processo que levou à liberação comercial do milho
NK603 no Brasil em 2008, a despeito de terem sido apresentados vários
pareceres contrários à liberação e críticas de membros da própria
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A maioria das
críticas apontava a ausência de provas científicas a respeito da
inocuidade do produto para o meio ambiente e a saúde pública. O milho
foi aprovado apesar dos votos contrários dos representantes do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Ministério da Saúde e dos
representantes da sociedade civil para o meio ambiente e a saúde.
Ferment
destaca que, após a publicação do artigo de Séralini, várias entidades
da sociedade civil solicitaram aos poderes públicos a reavaliação do
milho NK603 no Brasil, mas que, por 14 votos contra 4, a CTNBio rejeitou
tanto a reavaliação quanto a suspensão do cultivo comercial dessa
variedade. O autor observa que processos idênticos aconteceram em vários
países do mundo.
A grande novidade decorrente da
divulgação do estudo de Séralini foi a recente publicação de um edital
pela União Europeia, no valor de 3 milhões de euros, com o objetivo
conduzir uma pesquisa sobre efeitos carcinogênicos desse milho
transgênico.
Em suma, a história tem mostrado que
o ditado “quem procura, acha” não poderia ser mais pertinente à questão
dos riscos relacionados ao consumo de alimentos transgênicos. Não há
dúvidas de que, se realizadas com rigor e independência, as novas
pesquisas financiadas pela UE irão engrossar o caldo das evidências
científicas a respeito das consequências dos transgênicos para a saúde
pública. Esperemos que, ainda que aos poucos, essas evidências possam
reverter o quadro atual de desregulamentação e utilização em larga
escala de transgênicos em nossa agricultura e alimentação.
Da AS-PTA
Brasil de Fato
Da AS-PTA
Brasil de Fato
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