José Bento Neto, 47, gari
Por Daisa Alves Repórter
Pare
e observe ao seu redor. Eles estão em todo lugar. Nos acompanham ao
dormir... quando acordamos é o nosso primeiro contato. Levamos ao
banheiro e até durante as refeições. Ali, de ladinho, à prontidão de
qualquer urgência, na altura de um salto, de uma pegada de mãos. E se
por acaso for esquecido em casa, é aquele alvoroço. Volta, sobe ladeiras
e escadas, mas é preciso apanhar o aparelho telefônico móvel. Aquele, o
chamado de celular.
Este sentimento relacional do ser humano com
o objeto já está causando problemas. O comportamento provocado pela
dependência do celular foi recentemente nomeado como “nomofobia”, nome
designado na Inglaterra para descrever o medo de ficar sem celular (no +
mobile + fobia).
Ele parece imprescindível para sobrevivência
humana, como uma extensão do indivíduo. Na dependência patológica, o uso
excessivo está ligado a um transtorno de ansiedade, como pânico ou
fobia social, afirma a psicóloga Anna Lucia Spear King, pesquisadora do
Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A pesquisa é pioneira
no estudo científico no Brasil. Os principais sintomas da síndrome,
apontados pelo estudo, são angústia e sensação de desconforto quando se
está sem o telefone e mudanças comportamentais, como isolamento e falta
de interesse em outras atividades. A força da ligação é tamanha a ponto
de pessoas afirmarem - na ausência do aparelho -, ouvir ele tocar, ou
até sentir sua vibração.
Mesmo com tantos sentimentos contidos, a
ascensão do celular dos jovens aos mais velhos é fato, especialmente
dos ditos “smartphones”. Antigamente, o celular já foi chamado de
“tijolão”, mas era sinal de status e poder aquisitivo. No Rio Grande do
Norte, as operadoras que exploram a telefonia celular colocaram em
funcionamento mais de 1,28 milhão de novas linhas entre 2010 e 2013. O
Estado já tem 4,5 milhões de celulares, com média de 137,23 linhas para
cada grupo de 100 habitantes.
STATUS
Os
aparelhos podem servir até como balança de grau de importância de
alguém. Não importa apenas a mensagem, o uso, mas o que é comunicado, o
visualizado pela sociedade. É o meio, o fato de o celular está sendo
utilizado. Como dizia Marshall MacLuhan, “o meio é a mensagem”. Essa é
uma das razões para o aumento do prazer falando no celular de forma a
serem vistas e ouvidas. Assim como o aparato tecnológico, e as mudanças
em design do objeto, este valor-importância por ele concedido ao
indivíduo também foi modificado. Em análise dos dias atuais, a
possibilidade da multíplice conectividade valoriza o detentor do
aparelho, aponta Taciana Burgos, professora de Comunicação Social. “É
uma mudança no padrão antropológico”, considera. Para adolescentes,
como Maria Clara, surge como sinônimo de símbolo identitário na
personalização interna e externa do celular; usando capas diferentes,
pendurando acessórios, baixando toques, jogos e músicas para interagir
com seus pares.
fotos:daisa alves,joana lima e vlademir alexandre
Maria Clara Dantas, 16, estudante
Ela
acorda com o celular ao seu lado, se sai sem ele não tem descanso, a
lembrança é constante: “o que estarão falando comigo no celular?”. O
namoro é mais virtual que presencial. Ela mora em Natal e ele em
Ceará-Mirim. Se veem apenas no final de semana, os outros dias, é
mensagem e ligações. “Sei me controlar, mas sei que tenho um pouco de
vício”
MULTITAREFAS
Escutar
uma música, assistir a um vídeo, ver as atualizações do Facebook,
publicar uma foto no Instagram, checar a programação cultural do dia,
marcar um encontro com amigos pelo WhatssApp, chamar um táxi e até
fazer uma ligação. O telefone celular é um objeto de multitarefas.
Esta variedade de funções agrega a necessidade pelo aparelho, elevando
sua oferta econômica, como também a dependência do indivíduo. Já refém
das tecnologias da comunicação, o poder de reunir as mídias eleva a
potencialidade da dependência ao celular. “Nós somos dependentes das
mídias, já é uma tradição”, considera a professora de Comunicação
Taciana Burgos. O taxista Diwillson dos Santos, diz que o celular é hoje
uma importante ferramenta de trabalho.
fotos:daisa alves,joana lima e vlademir alexandre
Diwillson dos Santos, 26, taxista
Pelo
seu smartphone recebe chamadas para corridas. Há quatro meses ele usa o
aplicativo Easy – Táxi, gratuito para baixar em qualquer telefone que
possua o sistema Android. Segundo o taxista é mais uma opção para o
cliente, e significa um aumento na fatura em 50% ao final do mês.
TRABALHO
Há
quem use, e bastante, o celular para fins profissionais e escolares.
Empresas que desenvolvem aplicativos especializados para o serviço.
Escolas que despertam para a necessidade de se adequar às novas
tecnologias. Às mãos mais um objeto facilitador. No entanto, há riscos,
especialmente no ambiente de ensino, onde a euforia da juventude pode
estar a poucos cliques de um material impróprio. Eloisa Elena,
psicopedagoga, relata que no início foi difícil administrar o uso do
celular em sala de aula. Passado o tempo, hoje o conceito firmado é de
acompanhar o desenvolvimento tecnológico. “Orientamos aos professores ao
uso adequado em sala”, explica. O serviço de mensagens instantâneas são
utilizadas também para comunicação de grupos de profissionais, a
distância. Em alguns restaurantes e lanchonetes de Natal já se visualiza
o uso do smartphone, com o aplicativo devido, para transmitir o pedido
do cliente diretamente pelo aparelho. “Recebo minha escala de trabalho
pelo celular”, detalha o garçom, Luiz Heraldo.
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Luís Heraldo Carvalho, 27, garçom
Ele
recebe aviso sobre a escala de trabalho da semana através de um grupo
de mensagem instantânea no celular. E, caso haja alterações, é o meio
para comunicação. No mais, faz uso para necessidades, como
transferências bancárias e par ao lazer, como ouvir música e acessar as
redes sociais.
PRAZER
O
universo de aplicativos superpopularizou o smartphone. Muda-se o foco
da ligação, possibilitando o envio frequente de mensagens (em texto e
imagens) e jogos virtuais, tudo online, pelo uso da internet. Em 2013, o
IDC, uma consultoria especialista no ramo de tecnologia, fez uma
pesquisa com usuários de smartphones nos Estados Unidos. Encomendada
pelo Facebook, tentava descobrir como as pessoas usavam seus celulares.
Segundo os resultados, apenas 16% do tempo era empregado em ligações.
Provocada a hiperconectividade, um de seus efeitos é o vício, explicado
por estudiosos. Dispositivos eletrônicos como os celulares geram a
sensação de prazer para o cérebro que se sente recompensado a cada
novidade recebida. Uma mera mensagem é um pacotinho de prazer. A
substância estimulante é a dopamina, enviada para nossos neurônios,
gerando uma sensação agradável. O gari José Bento Neto usa o aparelho
para se comunicar com a família e jogar, nas horas vagas.
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José Bento Neto, 47, gari
Em
casa, são ao todo 7 celulares. Um para cada um dos três filhos, e dois
para ele e a esposa. O mais caro foi R$ 1.600 e o mais barato, cerca de
R$ 300. Tudo para facilitar a comunicação em família. Inclusive, todos
são da mesma operadora, para aproveitar as promoções. Durante o
trabalho, o celular o acompanha. Em cada intervalo para descanso, é
certo um joguinho para distrair.
CONSEQUÊNCIAS
Em
qualquer momento ou lugar as pessoas param para dar atenção ao
celular.Enquanto andam. Enquanto se alimentam. Enquanto participam de
uma reunião. E – com maior perigo – até enquanto dirigem. Frequente no
trânsito, a direção utilizando o celular está em quarto lugar no ranking
de autuações do Departamento Estadual de Trânsito do RN (Detran).
Dirigir usando celular é passível de multa, segundo o Código de Trânsito
Brasileiro, de 1997. A gravidade da infração é média: R$ 85,13 no bolso
e 4 pontos na carteira de habilitação. Recentemente, o Brasil
testemunhou uma consequência fatal deste erro. O motorista de caminhão
que trafegava com a caçamba levantada e derrubou uma passarela, no Rio
de Janeiro, provocando a morte de cinco pessoas, admitiu que usava o
telefone celular no momento da colisão. Há perigo também para pedestres.
Clênia Najara Fernandes vive caminhando pelas ruas digitando mensagens.
“Não vivo sem ter um smartphone”.
fotos:daisa alves,joana lima e vlademir alexandre
Clênia Najara Fernandes, 34, professora
O
dedilhar ao celular sempre acompanha seus passos apressados. Ao se
aproximar da faixa de pedestres, alguns segundos para subir a vista ao
sinal de trânsito. Passagem livre para pedestre, ela atravessa, sem se
dar conta do perigo de uma mínima distração. Em questão de risco, a
perda do aparelho também entra na balança. “Não vivo sem ter um
smartphone”.
INDIVIDUALIDADE
Em
uma mesa cercada de gente, cada um olha para seu próprio celular.
Estimulados pela interação sem fronteiras, o indivíduo alimenta a
criação de seu “mundo paralelo virtual”. Fugindo do sentimento da
solidão, o conectado limita o relacionamento presencial ao ser humano e
aparelho telefônico. “A pessoa conversa com muita gente e continua
sozinha, está perdendo o contato do olho a olho. Dá um clique e o outro é
descartável”, resume a psicopedagoga Eloísa Elena. “É uma nova
‘neverland’. Um mundo paralelo que os computadores pessoais abriram
espaço, mas eles estão amarrados às mesas. Já os celulares não tem
amarras”, explica Taciana Burgos. A cada dispositivo, em cada rede
social ou aplicativo, pode se escolher um esteriótipo próprio a ser
apresentado. Muitos confundem o aparelho com uma companhia: “É minha
companhia vinte e quatro horas”, afirma Ricardo Nascimento.
fotos:daisa alves,joana lima e vlademir alexandre
Ricardo Nascimento, 29, guardador de carro
Ele
acorda, reza uma oração e logo se dirige ao celular. “É minha companhia
vinte e quatro horas”, relata. O dia inteiro o celular fica em suas
mãos, ou bolso, ligado no fone de ouvido, a fim de escutar um
programação religiosa. O celular intermeia uma relação de fé e afasta o
sentimento de solidão, ao contínuo som de músicas.
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