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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Refluxo: Quando o peito arde

Saúde 

emanuel amaral
O estudante Willkerson Roberto, 14 anos, foi diagnosticado com refluxo quando ainda era bebê e hoje sofre de gastrite crônica. Sua alimentação é diferenciada; leite só se for de soja

Aquela queimação no meio do peito, que muitos chamam de azia ou gastura, na verdade é sintoma típico do refluxo gastroesofágico, doença caracterizada pela retorno do conteúdo ácido do estômago para o esôfago. Cerca de 20% da população brasileira sofre desse mal - índice semelhante ao observado na Europa e nos Estados Unidos, segundo o gastroenterologista Tomás Navarro Rodrigues, professor do Hospital das Clínicas de São Paulo, um dos especialistas mais conceituados no assunto.



Ele esclarece ser a sensação de queimação consequência do PH ácido do estômago agindo no esôfago, que não é preparado para receber tamanha acidez. O refluxo é mais comum em mulheres e está relacionado com o tipo de alimento consumido.

"Tem duas maneiras que você pode interpretar; uma é aquele alimento que causa o aumento da produção de ácido do estômago, e um outro tipo de alimento que faz com que a transição entre o esôfago e o estômago se abra, fazendo que esse ácido reflua, ou seja, volte para cima. Um exemplo bem clássico e famoso é o chocolate. Algumas proteínas do chocolate fazem o esfíncter (espécie de válvula) abrir mais vezes que o habitual, e faz com que você reflua", diz o especialista.

Entre os sintomas do refluxo, além da azia, estão gosto amargo e azedo na boca, dor torácica intensa - podendo ser confundida até com angina - tosse seca, doenças pulmonares como pneumonias, bronquites e asma.

Tomás Navarro diz haver um único grande estudo sobre refluxo no Brasil, e ele indica que o problema atinge 12% da população, isso levando-se em conta os sintomas clássicos. "Mas tem pessoas também com doença do refluxo que não têm esses sintomas, e sim os paralelos, como rouquidão, pigarro, sensação de alguma coisa coçando na garganta. Então, extrapolando para isso, nós calculamos que seja algo em torno de 20% da população com a doença do refluxo. É um número bem alto e bem parecido com os números do primeiro mundo."

O conteúdo ácido ao chegar no esôfago provoca lesões na região. A endoscopia é o exame mais indicado para fechar um diagnóstico de refluxo. "É como se fosse uma fotografia daquela região. Olhando o esôfago e o estômago eu percebo se há algum machucado. O fato de não haver um não indica que você não tenha lesão", explica Tomás navarro.

O tratamento é à base de medicamentos antiácidos, aliado a cuidados dietéticos e comportamentais; ou seja, alguns alimentos devem ser retirados da dieta e são necessárias algumas mudanças de hábitos, como não deitar após as refeições antes de passadas duas horas e praticar atividade física regular para evitar a obesidade. Cigarro e álcool são verdadeiros venenos.

"Cai de novo naquilo que a gente sempre comenta: quanto mais saudável você estiver, o seu corpo funciona como saudável por completo. Mudanças de hábitos são difíceis de serem feitas, mas em termos dietéticos sempre optar pelo mais natural e o mais saudável possível, sem agressividade ao extremo - ou seja, comer alimentos estimulantes da secreção, frituras, coisas desse tipo", recomenda o gastroenterologista paulista, que esteve semana passada em Natal, realizando palestra.

Se o tratamento convencional não surtir efeito, é indicada então a cirurgia para corrigir a ação do esfíncter entre esôfago e estômago e aumentar a pressão naquela área. Porém, ela não é definitiva e os sintomas podem voltar a aparecer após sete anos.

"Existem vários tratamentos experimentais"

O gastroenterologista e professor do Hospital das Clínicas de São Paulo Tomás Navarro Rodrigues é um dos maiores especialista na doença do refluxo gastroesofágico no País. Ele esteve em Natal semana passado participando de evento médico e conversou com o TN Família. Confira trechos da entrevista.



Quais as consequências da falta de tratamento adequado do refluxo?

Tem duas coisas que a gente pode trabalhar: uma delas é que, conforme vai aumentando o refluxo, você tem uma azia hoje, depois passa ter toda vez. Conforme vai tendo mais lesões, vai destruindo as terminações nervosas e o paciente começa a ter menos sintomas; mas não indica que tenha menos refluxo. É a mesma coisa de eu dar uma tapa na sua mão vinte vezes no mesmo lugar. Você vai sentindo menos, pois acaba anestesiando essa região. Isso é uma coisa preocupante porque essa lesão continua progredindo. E se progredir o que vai acontecer? Pode causar uma diminuição do esôfago e quando você comer vai entalar. Você vai sentir que a comida não desce direito, parece que entalou, começa a ter essa dificuldade. E começam a surgir outras lesões, consideradas pré-neoplásicas, ou seja, podem virar um câncer lá, muitos anos para frente.

Existe algo novo no tratamento ou o método tradicional é eficiente?

Existem vários tratamentos ditos experimentais ainda. Fora esse farmacológico tradicional, que são as drogas contra a acidez, desde antiácidos como drogas relacionadas, omeprazóis, as ranitidinas e cimetidinas, existem outros tipos de tratamentos que são acoplados a isso. Tem trabalhos descritos com acupuntura, com respostas interessantes, associada com medicamento, outros com exercícios respiratórios, com alguma resposta também interessante, e tem trabalhos com alguns exercícios específicos para essa região atingida onde atua esse esfíncter, ou seja, exercícios contemplando o diafragma. Mas todos esses são trabalhos feitos associados com medicação; porque ela, comprovadamente, tem resposta. Não existem estudos mostrando eles sozinhos o quanto vão causar um benefício. Mas sabemos que eles, acoplados, ajudam na cicatrização ser mais rápida e a manutenção da mucosa cicatrizada por mais tempo. Então, essas coisas associadas são interessantes é uma linha nova. E claro que existem coisas que é difícil você comprovar cientificamente; tipo que melhora o estresse do dia-a-dia. Aí entram as terapias que diminuem esse estresse.: yoga, reike, johrei.

Inclusive você participou de uma experiência de aplicação de johrei (espécie de terapia espiritual oriental) contra a dor torácica, que é um dos sintomas do refluxo. É afeito ao uso de terapias complementares?

Esse trabalho que a gente fez com johrei e dor torácica foi feito nos Estados Unidos. Fizemos com um grupo e quem aplicava o johrei - eu não aplico - era uma pessoa de uma seita que veio do Japão. No Brasil, o johrei está muito ligado à Igreja Messiânica. Essa terapias alternativas nós não fazemos no hospital, principalmente por que há uma dificuldade científica de realizar um estudo em relação a isso, porque ou a pessoa acredita nisso ou não. Se ela acredita, já há uma tendência que ela vai melhorar; e se ela não acredita, porque nossa população é muito católica; você já tem um viés de que ela não vai melhorar. Sei que, em São Paulo, estão sendo feitos outros estudos com reike, por exemplo, com algumas respostas interessantes, e com johrei eu desconheço algum estudo em nível nacional. Mas no exterior, eles continuam fazendo estudos com isso.

Quando a cirurgia é indicada?

Normalmente, indicamos o tratamento cirúrgico quando começa a falhar o clínico; o paciente não está respondendo, está tendo uma dificuldade de responder satisfatório, indica-se a cirurgia; ou quando tem alguma complicação, começa a ter entalo, disfagia. Comparado os casos de cirurgia com o grupo que você indica o tratamento clínico, os resultados são parecidos nos primeiros anos. O problema é que no tratamento cirúrgico nós não temos resultados a longo prazo. Sabemos que a cirurgia tem, uma resposta muito boa até em torno de cinco, no máximo sete anos. Depois disso, não se tem estudos em relação à cirurgia, porque há uma frouxidão de toda nossa musculatura. A gente vai ficando mais velho e essa válvula que é feita na cirurgia pode afrouxar um pouco e você voltar a ter sintomas. Por isso que o tratamento cirúrgico é um pouco mais restrito. Evitamos fazer a indicação cirúrgica logo no começo porque não temos uma garantia que será uma cirurgia para o resto da vida. A cirurgia é relativamente simples, feita com laparoscopia, faz num dia e no outro já vai para casa, sem maiores problemas - só essa falta de garantia, pois o paciente acha que nunca mais vai ter sintomas. Isso não é verdade. Mais de 70% volta a ter sintomas depois de dez anos.

A cirurgia é no estômago ou no esôfago? O que ela corrige?

Entre o esôfago e o estômago existe uma válvula. Ela tenta aumentar a pressão dessa válvula. Normalmente a laparoscopia entra pelo umbigo e o cirurgião faz tipo uma válvula com a própria mucosa do estômago. Isso contém o refluxo. É basicamente isso.

Portadores de refluxo têm rotina alterada

Quando o estudante Willkerson Roberto estava com um ano de idade, sua mãe, a cabeleireira Cleidiane Maria de Brito, 34, percebeu que ele golfava mais do que a maioria das crianças. "Ele colocava toda a comida para fora. Percebi que não era normal", lembra ela, que só procurou um gastroenterologista um ano e meio depois. O diagnóstico? Refluxo gastroesofágico.

Hoje Willkerson está com 14 anos e, como consequência de tantos anos de refluxo, sofre de gastrite crônica, não pode deixar uma medicação e toma certos cuidados com a alimentação.

"Quando ele era bebê, eu procurava fazer o mingau mais grosso, pois tudo que for líquido é mais fácil vomitar. A comida dele tem que ser bem pastosa", conta Cleidiane, ressaltando também certos cuidados com ele na hora de dormir, como elevar sempre o local do travesseiro.

Apesar de evitar alimentos ácidos, Cleidiane conta não haver uma comida específica que provoque as reações do refluxo. "Não é exatamente a comida que o faz vomitar. Tudo o que ele come só pode tomar líquido trinta minutos depois."

Já a comerciante Míriam de Oliveira Lima, 57, só descobriu ter refluxo há dois anos, e de forma, digamos, acidental. Ela foi fazer uma endoscopia, prescrita devido a uma bactéria no estômago, quando o problema foi detectado.

Míriam, porém, desconfiava de algo errado. "Já tinha acordado sufocada duas vezes, tinha muita dor no estômago, não podia comer nada ácido, como abacaxi e certos temperos."

Ela, hoje, diz engasgar muito, além de tossir "sem parar"; toma remédio de jejum e, à noite, depois do jantar. O refluxo a incomoda muito, principalmente com relação a alimentação.

"Não posso comer de tudo; não como pimentão, uva, água-de-coco... Se for para um almoço, não posso comer muita coisa", lamenta Míriam, dizendo frequentar dois médicos para controlar o refluxo.
Tribuna do Norte

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