No modelo natalense, tarifa cobrada paga 100% do sistema de ônibus.
Rubens Ramos sugere que subsídios venham do transporte individual.
Por Felipe Gibson
Do G1 RN
Rubens Ramos fez estudo sobre lugares que adotam
subsídios na tarifa do transporte (Foto: Felipe Gibson/G1)
A proposta de tarifa zero no transporte público é possível e tem
alternativas para acontecer em Natal e no Brasil. A opinião é do
engenheiro civil e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
Rubens Barreto Ramos, que defende a implantação de um sistema de
transporte plenamente subsidiado e gratuito para todos. Os subsídios
para viabilizar a proposta, segundo Ramos, podem vir de diversas formas,
no entanto para que a teoria vire prática é preciso que haja mudança na
mentalidade dos governantes em relação ao modelo adotado atualmente.
A tese do professor parte do princípio que o transporte não consegue
sobreviver como serviço tarifado, que é exatamente o modelo adotado na
maioria das cidades brasileiras. "Por definição, todo produto de mercado
é excludente e produz disputa. O transporte público tarifado só
acontece quando o usuário não tem opção. Quando a renda aumenta e as
pessoas compram veículos, elas abandonam rapidamente o transporte pago.
Assim o serviço perde a capacidade de ser vendável", explica.
Em Natal, o sistema de transporte é 100% bancado pelos usuários. O
dinheiro arrecadado com o pagamento da passagem é o mesmo que paga
gratuidades e meia entradas. Além disso, seguindo a lógica da tarifa, o
especialista entende que o preço da passagem sempre estará pressionado
pelos custos para se manter o sistema. Para Ramos, o transporte tem de
ser visto da mesma forma que setores como saúde, educação e segurança,
que são pagos pela sociedade.
Prédio da Prefeitura de Natal durante protesto
da #RevoltadoBusão (Foto: Fabiano de Oliveira/G1)
da #RevoltadoBusão (Foto: Fabiano de Oliveira/G1)
"É o único serviço público que não é rateado pela sociedade e quem paga
é o usuário. As manifestações estão ajudando a mudar essa mentalidade. O
interesse da cidade é ter a máxima mobilidade suficiente, que é um
sistema de transporte em que as pessoas possam usar e pagar pouco.
Atualmente existe o pensamento de que o transporte é para todos, mas o
funcionamento ocorre em uma lógica privada", opina.
Alternativas
Na pesquisa do pós-doutorado, o especialista fez um levantamento sobre
cidades do mundo que subsidiam as tarifas de transporte. Nos lugares
pesquisados ocorreu processo similar ao que acontece há alguns anos no
Brasil, com a troca do transporte público pelo individual a medida que a
renda das pessoas aumentou. Com o tempo, os governos optaram por
conceder subsídios para estimular a volta ao transporte público.
De acordo com o especialista, o custo operacional do sistema de
transporte gira em torno dos R$ 200 milhões. Desta conta, 44% é pago em
dinheiro e passes, 40% via vale transporte e 17% por estudantes. Ramos
sugere a transformação do vale transporte em subsídio, o que já pagaria
R$ 80 milhões. Sobrariam então R$ 120 milhões, que no entendimento de
Ramos podem ser abatidos de diversas formas.
Entre as alternativas possíveis para subsidiar a tarifa mais barata, o
engenheiro civil destaca a tributação do combustível do transporte
individual. De acordo com o professor, foram consumidos cerca de 300
milhões de litros de gasolina e etanol na cidade em 2012. Simulando a
cobrança de um imposto que impacte em R$ 0,10 por litro de gasolina
consumido, o professor calcula que seria possível arrecadar R$ 30
milhões para o subsídio da passagem.
"O gasto semanal para uma pessoa que percorre dez quilômetros por
semana ficaria entre R$ 2,50 a R$ 3,50", contabiliza. Com a alocação
citada já seria possível garantir o passe livre para estudantes, que com
a meia entrada consomem atualmente cerca de R$ 30 milhões do custo
total do sistema de transporte.
Subsídios de tarifas pelo mundo | ||
---|---|---|
Cidade | País | Subsídio |
Munique | Alemanha | 25% |
Filadélfia | Estados Unidos | 30% |
Londres | Inglaterra | 50% |
Sidney | Austrália | 68% |
Paris | França | 70% |
Hasselt | Bélgica | 100% |
Fonte: Rubens Ramos |
Outra proposta é alocar R$ 100 do Imposto Sobre a Propriedade de
Veículos Automotores (IPVA) dos carros, que é cobrado anualmente.
Levando em conta que Natal
tem cerca de 200 mil carros, número que deve ser atingido ainda neste
ano, seria possível arrecadar mais R$ 20 milhões para subsidiar a
tarifa. Se cobrados outros R$ 55 do IPVA das motos seriam R$ 4 milhões
com as cerca de 70 mil motos que circulam na capital potiguar.
Projeto propõe uso de lucros de empresas
Está em análise na Câmara Municipal um projeto de lei que estabelece o
passe livre para estudantes e trabalhadores desempregados no transporte
urbano de Natal. O projeto define ainda que a gratuidade seja concedida
em todos os dias e horários da semana, sem limite diário de viagens. A
proposta foi elaborada pelos vereadores Amanda Gurgel (PSTU), Sandro
Pimentel e Marcos Antônio (ambos do Psol).
O financiamento do passe livre se dará através de dotações financeiras
próprias, previstas no orçamento; por meio da destinação de um
percentual da taxa anual de lucros das empresas do setor de transporte; e
da suspensão do repasse da prefeitura para as instituições sem fins
lucrativos, destinando esses valores para o objeto da lei.
Desoneração não melhora qualidade
Para baixar o preço da tarifa, a saída encontrada pelo prefeito de
Natal, Carlos Eduardo Alves, foi a desoneração de impostos federais
Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da
Seguridade Social (Cofins). Na época, foi possível reduzir a passagem
de R$ 2,40 para R$ 2,30. Depois o prefeito baixou a tarifa para R$ 2,20,
mas não especificou de que forma a redução foi bancada. Para o
professor Rubens Ramos, a desoneração de tributos não é a melhor opção.
"Retirar o imposto só tem efeito de curto prazo, pois os custos vão
continuar crescendo", diz.
Alocação de recursos do IPVA e do combustível de
carros são alternativas (Foto: Canindé Soares)
carros são alternativas (Foto: Canindé Soares)
Antes da redução para os atuais R$ 2,20, os secretários de Tributação do Estado e Município já haviam alertado
que além de ferir fortemente os cofres públicos, as desonerações podem
ser usadas em uma nova composição da tarifa, mas não garantem a
aplicação do valor da renúncia fiscal em melhorias no transporte urbano,
algo que depende atualmente da ação das empresas que possuem a
concessão pública da prefeitura para prestar o serviço de transporte
urbano na cidade.
Seis empresas operam o sistema de transporte por meio de permissões
assinadas com o Município. A própria Secretaria Municipal de Mobilidade
Urbana (Semob) reconhece que os contratos não garantem a qualidade. "Os
contratos dizem basicamente que as empresas têm de operar de forma
eficiente, mas não diz como isso vai ser medido. Com a licitação do
transporte, teremos meios para medir eficiência e até penalizar em casos
de descumprimento", diz a técnica do Departamento de Estudos e Projetos
da Semob, Rejane Xavier.
Com o projeto de lei autorizativa da licitação enviado em meados de
junho pelo prefeito Carlos Eduardo, a Câmara Municipal de Natal definiu
um calendário entre os dias 22 e 31 de julho para as audiências e
votações da licitação do sistema de transporte. Para o professor Rubens
Ramos, antes de discutir a licitação, é necessário rever o sistema de
transporte em uma linha moderna. "O sistema é antigo e obsoleto. O
transporte não se adequou às mudanças da cidade. Com o esquema que temos
atualmente, a licitação será fazer mais do mesmo", alerta.
Nova tarifa é de R$ 2,30 no transporte de Natal
desde o dia 4 de junho (Foto: Igor Jacomé/G1)
desde o dia 4 de junho (Foto: Igor Jacomé/G1)
Ao invés dos altos investimentos em obras de mobilidade urbana, o
engenheiro acredita que é preciso priorizar o transporte público. Na
opinião de Ramos, a opção mais interessante para Natal é montar um
sistema que integre o Tramway, mais conhecido no Brasil como Veículo
Leve Sobre Trilhos (VLT), com os ônibus da cidade. "O ideal seria ter
uma linha cruzando a cidade e os ônibus fazendo o papel de integração
dos bairros", esclarece o professor, que vem aprofundando uma pesquisa
sobre essa proposta para o transporte público da cidade.
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