Ator único e multiplo, Chico Anysio morre aos 80 anos e deixa um legado de tipos inesquecíveis entre mais de 200 personagens da televisão e do cinema
Por Yuno Silva e Tádzio França - repórteres
"Pô mãe, pô mãe, se eles debochar d'eu, minha vingança será maligna. Mas vamos passar a sacolinha, pois o salário ó! Enfim, eu sou, e quem não é bonitim e safadim?!" A declaração acima pode parecer, sem nexo, mas quem viu Chico Anysio em ação vai lembrar de alguns de seus muitos personagens (209, na conta dele) como O Jovem, o vampiro Bento Carneiro, o pastor Tim Tones, o pinguço Tavares, o ator Alberto Roberto e o 'galã' Silva. Ou ainda Professor Raimundo, Bozó, Painho, Coalhada, Justo Veríssimo, Salomé, Pantaleão, Nazareno, Haroldo e Azambuja... Se todos os bordões cunhados pelo humorista cearense ao longo de mais de seis décadas fossem utilizados de uma vez, poderiam preencher com facilidade muitas páginas de histórias.
Entre os comediantes brasileiros de maior relevância de todos os tempos, muito provavelmente no topo da lista, Chico Anysio (1931-2012) faleceu na tarde de ontem aos 80 anos, após complicações renal e respiratória. Ele estava internado desde dezembro no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, e nos últimos dias os boletins médicos davam conta de uma piora em seu estado de saúde. Casado seis vezes, pai de nove e avô de dez, Chico Anysio não se dedicava apenas ao humor: também lançou duas dezenas de livros, e sua verve compositora recheou LPs nos anos setenta (quando formou a dupla Baiano e Novos Caetanos com Arnaud Rodrigues).
A carreira começou na Rádio Guanabara, no Rio, para onde a família Anysio de Paula se mudou quando Chico tinha 8 anos. Tornou-se vascaíno, só para contrariar, porque o pai era botafoguense e eles moravam perto do Fluminense, o clube, onde fez amigos, cresceu e jogou bola à vontade. Até o dia em que, esperado para uma partida, foi em casa buscar o tênis e deu de cara com a irmã Lupi, que naquele instante saía com um amigo para ir fazer um teste na Rádio Guanabara. "Vou junto", disse Chico. Aprovado nos testes para radioator e locutor, dizia sempre que tinha virado ator porque esquecera o tênis.
Mas a percepção de que poderia se dar bem no rádio já existia. Àquela altura, Chico já havia vencido vários concursos de calouros graças ao talento de imitar vozes famosas, entre locutores e artistas. Fazia Oscarito, Saint Claire Lopes, Rodolfo Mayer, James Manson, James Cagney e Luiz Jatobá. Passou ainda pela Rádio Mayrink Veiga.
Na era da chanchada no cinema nacional, nos anos 50, chegou a escrever e a atuar em alguns filmes da Atlântida. Estreou na TV em 1957 pela TV Rio, com o Noite de Gala. Em 59, estreou no programa Só Tem Tantã, mais tarde batizado como Chico Total. Pisou na Globo em 1968 e lá ficou.
Casado seis vezes, e isso não era piada, lançou o livro Como Salvar seu Casamento, que ensinava ao leitor dicas sobre uma boa relação. Mais 20 livros fecham a coleção de títulos lançados por ele no mercado editorial, entre biografias e anedotas. Deixou 10 netos e 9 filhos: o ator Lug de Paula (com a atriz e comediante Nancy Wanderley), o também ator e comediante Nizo Neto e o diretor de imagem Rico Rondelli (com a atriz e vedete Rose Rondelli), André Lucas, adotado, o DJ Cícero Chaves (com a ex-frenética Regina Chaves), o ator, escritor e comediante Bruno Mazzeo (com a ex-modelo e atriz Alcione Mazzeo), além dos caçulas Rodrigo e Vitória (com a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello. Irmão da atriz Lupe Gigliotti e do cineasta Zelito Viana, era tio da diretora Cininha de Paula e do ator Marcos Palmeira.
(Com informações de Cristina Padiglione/Agência Estado)
Movimento 'Volta Chico'
Durante um longo tempo, a pergunta mais feita a Chico era: Por que ele estava fora do ar? Era a campanha "Volta, Chico", encabeçada por Vesgo e Ceará, do Pânico na TV. "Talvez a Rede Globo esteja achando que eu já tenha feito por ela o suficiente e que eu deva ter um pouco de descanso. Eu não estou querendo esse descanso", disse Chico, ao ser abordado por Vesgo e Ceará. Em dezembro de 2009, a direção da Globo se rendeu ao mestre e lhe abriu uma vaga no calendário de especiais de fim de ano. Por cerca de uma hora, personagens das mais diversas etnias, estirpes e épocas se encontraram, todos na pele de Chico. Graças a recursos que Pantaleão não conheceu em seu tempo, Chico contracenou consigo em todas os quadros, reunindo mais de uma dezena de tipos na sala do professor Raimundo. E, ao vestir o figurino da gaúcha Salomé, que fora íntima de João Batista (o Figueiredo, claro, último presidente do regime militar no Brasil), telefonou para Luiz Inácio e ouviu uma voz feminina do outro lado da linha: "Dilma?", perguntou. O especial fez eco e a Globo resolveu resgatar Chico para o mesmo Zorra Total. Chico conhecia o motivo da geladeira. O jejum foi comunicado em nota oficial, dez anos atrás, logo após uma entrevista do humorista à revista Isto É, com críticas ao novo modelo de gestão da emissora a diretores e colegas. "Pela primeira vez, em 47 anos de TV, trabalho numa casa onde ninguém tem acesso à pessoa que nos dirige", disse ele se referindo à Marluce Dias da Silva, que havia substituído José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.
A LEMBRANÇA DOS AMIGOS
Garoto propaganda da loja Jacaúna Decorações, Chico Anysio é lembrado com carinho pela empresária Aguiara Neves Aguiar, responsável pelo setor de marketing da empresa. "Ele era maravilhoso, um mestre, sempre atencioso tinha um coração muito grande", disse Aguiara por telefone à TRIBUNA DO NORTE. Ela lembra que o humorista não pôde comparecer ao Carnaval deste ano em Fortaleza, quando foi homenageado, "mas sempre que a saúde permitia passava aqui pelo Ceará. Gostava muito de comer caranguejo e, mesmo todo sujo, não deixava de atender um pedido de autógrafo. Lá ia ele lavar as mãos para atender os fãs. Tinha amor por tudo o que fazia, essa é a imagem que ele me deixou".
Responsável por abrir espaço para várias gerações de humoristas, Chico Anysio também deu visibilidade para talentos como o potiguar David "Espanta" Cunha e o paraibano Nairom "Zé Lezin" Barreto, que conversou com o VIVER por telefone de Serra Talhada-PE: "Defendo-me do sofrimento não participando desses momentos, é meu jeito. Aprendi a ser amigo dele, e mesmo fora da Escolinha (do Professor Raimundo) continuamos irmãos. Sempre que ia ao Rio fazia questão de visitá-lo."
Nairom recorda que acompanhou Chico nos últimos três shows que o humorista fez no Nordeste no início de 2010. "Foi uma alegria muito grande, e ter participado de sua vida é o que me consola. Prefiro acreditar que ele continua vivo, por sua amizade e por sua obra. Tenho show esta noite e não sei como será. Agora só nos resta rezar e lembrar dos melhores momentos juntos".
Despedida nas redes sociais
Os depoimentos emocionados sobre Chico Anysio ganharam as redes sociais com a velocidade habitual da Internet. Entre muitos depoimentos de fãs anônimos, os famosos também deixaram suas palavras. Apresentadores de televisão, cantores, atores, celebridades e, claro, os humoristas, entre contemporâneos do comediante cearense e representantes da nova geração. Todos expressaram seu apreço por Chico.
Marcelo Adnet, uma das novas estrelas do humor, disse: "Valeu Chico Anysio! Você fez toda a diferença! Descansa em paz e deixa sua vasta e genial carreira pra gente ver e aprender". Para Sabrina Sato, "Chico Anysio é um gênio e mestre do humor... R.I.P Chico!". O apresentador Serginho Groisman registrou: "Chico Anysio deixa vivo centenas de personagens . Fica em paz". Para o músico Humberto Gessinger, Chico Anysio "formatou um nordeste como Guimarães Rosa formatou um sertão. RIP, dever cumprido".
Os humoristas veteranos reafirmaram as qualidades humorísticas e pessoais do colega. "O coração dele não cabia dentro do peito. Para a gente falar sobre quem era Chico Anysio será preciso fazer uma mesa redonda para cada um falar o que ele era", disse o conterrâneo Renato Aragão à Globo News. Ao mesmo veículo, Jô Soares afirmou: "É uma morte que deixa um país inteiro triste e inconsolável. O Chico tinha um grande diferencial: a surpresa. Ele sempre pegava as pessoas de surpresa com novos personagens e ideias".
Extraído da Tribuna do Norte
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