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domingo, 22 de julho de 2012

Os tortuosos caminhos da garantia de produtos

 De Felipe Gibson para O Poti
 Prazos, ligações, custos, viagens perdidas e paciência esgotada. Palavras sempre presentes em histórias que se repetem na vida dos consumidores potiguares quando o assunto é garantia de produtos. O conjunto da obra traz o mau atendimento das empresas, a falta de informação e a cultura do "deixa pra lá", ainda muito comum entre os compradores, que na maioria dos casos desconhece os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e aqueles adquiridos quando se assina um contrato de garantia.
E como, afinal, funciona uma garantia? Existem basicamente três tipos de garantia: legal, contratual e estendida (veja mais detalhes no quadro). A primeira é prevista por lei e garante coberturas de 30 a 90 dias dependendo do produto. A garantia contratual, a segunda da lista, é oferecida de forma complementar pelo fornecedor como cortesia ao consumidor. Já a garantia estendida, a terceira, funciona como um seguro, garantindo um prazo mais longo de cobertura. Em compensação, o contrato traz um preço extra a ser pago pelo consumidor na compra dos produtos. Esse detalhe faz com que seja discutível a vantagem desse tipo de contratação. Para o advogado da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), David Passada, tudo depende do que o contrato diz. "Existe uma apólice e o consumidor tem de estar atento às condições de uso", aconselha. Entre outros termos, o contrato determina valores de indenização e condições de troca e conserto. "Como é um seguro, existem condições em que se pode perder", acrescenta Passada, que recomenda ainda atenção das pessoas para eventuais cláusulas abusivas que as coloquem em desvantagem. O advogado da Proteste cita o caso de um termo estabelecendo que o produto só pode ser consertado em determinado local. Se o consumidor morar no interior e a empresa exigir que ele se desloque até a capital para fazer uma manutenção, por exemplo. De acordo com David Passada isso já se configura como abuso por parte do fornecedor, visto que o consumidor terá de tirar do próprio bolso os custos de deslocamento. "O deslocamento acaba indo contra a ideia de seguro", reforça o advogado. Outra preocupação relacionada à garantia estendida diz respeito à chamada venda casada. O diretor geral do Procon/RN, Araken Farias, informa que a prática é comum, mas passa despercebida pela maioria dos consumidores. "Quando o consumidor é obrigado a passar o cartão de crédito duas vezes para comprar um produto. Se custa R$ 100, ele paga R$ 90 primeiro e o restante em seguida. Acontece que aqueles R$ 10 embutidos no preço eram da garantia estendida e ele não sabia", afirma. Araken alerta que a garantia estendida é opcional e o comprador pode descartar a contratação. O diretor geral do Procon/RN conta que chegou a fechar uma loja temporariamente após flagrar uma situação de venda casada. "Um consumidor me ligou questionando porque tinha de passar o cartão de crédito duas vezes. Fomos até a loja e comprovamos", explica. Araken detalha que a venda casada é classificada como crime contra a ordem econômica e contra as relações de consumo. Nos casos de descumprimento dos termos da garantia, as seguradoras estão sujeitas à sanções administrativas. Como funcionam Garantia legal A garantia legal é determinada por lei, sendo citada nos artigos 24 e 25 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Ela garante ao consumidor garantias de 30 dias para produtos e serviços não duráveis (alimentos, sabonete, pasta de dentes) e de 90 dias para os duráveis (carro, casa, máquina de lavar). Garantia contratual A garantia contratual é oferecida de forma complementar pelo fornecedor como cortesia ao consumidor. Para citar um exemplo, a Apple, empresa norte-americana de produtos eletrônicos, oferece um ano de garantia a partir da data de compra. Para o comprador, além dos 90 dias previstos no CDC, o consumidor tem uma proteção de mais nove meses. Garantia estendida A garantia estendida funciona como um seguro, garantindo um prazo mais longo de cobertura. Em compensação, o contrato traz um preço extra a ser pago pelo consumidor na compra dos produtos. A garantia estendida tem de ser feita mediante a assinatura de um termo escrito. A Superintendência de Seguros Privados (Susep), vinculada ao Ministério da Fazenda, exige que o serviço seja oferecido por uma seguradora. A saga de Maria das Graças Duas seguradoras costumam dividir o volume de denúncias recebidas pelo Procon/RN sobre garantia estendida. Garantech e Virgínia Surety acumularam 91 e 42 reclamações, respectivamente, no ano passado. Um total de 133 clientes insatisfeitos se dirigiu ao órgão prestar queixas relacionadas ao mau atendimento da cobertura em 2011. O número caiu quando são comparados o primeiro semestre do ano passado (63 reclamações) com os seis meses iniciais de 2012 (36 reclamações). A autônoma Maria das Graças Soares, 62, foi uma das pessoas prejudicadas que recorreu ao Procon/RN. Maria comprou um celular em fevereiro e com o tempo o aparelho começou a desligar sozinho. Da loja onde o produto foi comprado, Maria foi encaminhada para a loja autorizada, que encontrou fechada. "Me informaram que havia fechado há dois anos", relata. Maria voltou à loja da compra e recebeu a recomendação de ligar para a seguradora. "Perguntei se estavam me fazendo de besta. Me pediram paciência e me mandaram para outra autorizada", continua. Ao chegar à segunda loja autorizada, Maria encontrou novamente um estabelecimento fechado. Tentou contato por telefone e foi informada que a loja não trabalhava com a marca do celular comprado. A autônoma ligou novamente para a seguradora e uma nova surpresa. "Estava falando com a atendente quando a ligação foi cortada e entrou uma gravação pedindo para a aguardar pois todas as atendentes estavam ocupadas", diz. Foi a gota d'água. Maria resolveu recorrer ao Procon/RN. Ao ser notificada pelo órgão de defesa do consumidor, a seguradora entrou em contato com Maria oferecendo ressarcimento. "Não concordei com o dinheiro. Só queria o conserto do aparelho", afirma. O Procon acabou recomendando que a autônoma entrasse no Juizado Especial, onde Maria conseguiu agendar uma audiência. "Os advogados perguntaram se eu queria colocar a fabricante do celular na Justiça, mas não quis abrir um novo processo". Foi marcada então uma nova audiência com a presença de um juiz, que decidirá os rumos do caso.Para Maria foram viagens perdidas, custos de ligações e desgaste psicológico. "Não é luxo, é uma necessidade", diz a autônoma, que trabalha lavando roupas e fazendo faxina. "Tenho que estar sempre falando com minhas clientes. Hoje estou usando um aparelho emprestado", explica. A história de Maria se repete todos os dias com muita gente e costuma ser bem mais desgastante em alguns casos. Para o diretor geral do Procon/RN, Araken Farias, o número de queixas seria muito maior caso o consumidor estivesse melhor informado e corresse atrás. A cultura do "deixa pra lá" ainda é muito comum. Vencidos pelo cansaço Ver o direito da garantia respeitado costuma ser tão desgastante em alguns casos que as pessoas desistem dos processos no meio do caminho, ou aceitam ofertas das empresas, que tentam acabar com o problema antes da situação piorar. O aposentado César Augusto Rodrigues, 60, chegou a participar de duas audiências após não conseguir o conserto do motor de uma circuladora de ar. Ao entrar no Juizado de Pequenas Causas recebeu uma proposta da seguradora. "Querendo ficar livre eu aceitei. Foram R$ 153", relata. O dinheiro foi prometido para cinco dias. Caiu na conta após uma quinzena. César Augusto comprou a circuladora de ar por R$ 137,50. Depois que o motor quebrou, o aposentado buscou seus direitos, e recebeu a informação de que a loja não tinha mais o produto daquele modelo e fez o conserto. No entanto o produto quebrou novamente com pouco tempo. Foi quando César pediu a troca do aparelho ou ressarcimento. A seguradora não topou. Depois de Procon/RN e Justiça, a empresa fez o acordo direto com o aposentado, quereconhece: poderia ter saído melhor. "O constrangimento foi grande. Poderia até pegar indenização, mas queria ficar livre", diz. Da mesma forma aconteceu com a estudante Hoana Cleverlândia Pacheco, 32 anos. Ela comprou uma escova modeladora por R$ 45 (R$ 15 foram da garantia estendida), porém o produto quebrou com três meses de uso. Após 30 dias esperando pelo conserto, Hoana entrou em contato com a autorizada, que alegou não ter a peça danificada. Foi oferecido ressarcimento. A cliente não aceitou e foi ao Procon. Enquanto aguardava a primeira audiência, Hoana recebeu a ligação da seguradora oferecendo o valor do produto sem a garantia estendida. Mesmo sabendo que merecia mais, a estudante aceitou receber R$ 24. Para o advogado da Proteste, David Passada, o funcionamento da garantia estendida não é posto de forma clara no momento da compra, nem nos contatos. "Todas as cláusulas que falem sobre o direito do consumidor tem de estar destacadas", ressalta. A recomendação é que o consumidor procure primeiro resolver o problema com a empresa. Persistindo o imbróglio, é recomendado procurar os órgãos de defesa do consumidor e o juizado de pequenas causas. Projeto de Lei exige cobertura de seguradora Está em análise na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2285/11, que exige de fabricantes, fornecedores e distribuidores a contratação obrigatória de uma seguradora. A proposta do deputado Ricardo Izar (PSD-SP) trata da garantia de bens móveis duráveis, como uma casa, carro, ou máquina de lavar. O objetivo é evitar que o consumidor fique desamparado em caso de fechamento da empresa concedente da garantia. "No caso da empresa fechar, a seguradora ainda cumpriria o contrato", explica a advogada Cláudia Vechi Torres, vice-presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB. Cláudia Torres considera a medida importante, sobretudo quando se fala em produtos de longa duração. Já o advogado da Proteste concorda com a segurança contratual, porém faz ressalvas. "O receio é que os custos da empresa ao contratar uma seguradora sejam repassados ao consumidor de forma velada, no preço do produto", avalia David Passada. O projeto tramita em caráter conclusivo e está sendo examinado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio. Depois passará pelas comissões de Defesa do Consumidor; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

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