Alex Régis
Para
pesquisadora, não basta ter meta mais rigorosa, mas
obrigar a
indústria a cumprir porção mínima
de sal nos produtos processados
O acordo voluntário para reduzir a quantidade de sódio dos produtos
industrializados, realizado entre o Ministério da Saúde e associações
que representam as empresas da indústria alimentícia no Brasil, “não
parece ser eficiente para ter um impacto na saúde, que é o grande
objetivo do contrato”, avalia a Ana Paula Bortoletto, nutricionista do
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - Idec, responsável pela
pesquisa que analisou a rotulagem de 95 produtos a partir de nove
categorias alimentícias. De acordo com Ana Paula, as metas para
redução gradativa da quantidade de sódio nos produtos foram estipuladas
não segundo a média de sódio encontrada em cada categoria alimentícia,
mas em relação aos índices mais elevados de sódio encontrados em cada
categoria.
Esse cálculo, acentua, possibilitou “um favorecimento para
indústria porque, primeiro, o acordo é voluntário, então as empresas
podem ou não aderir a ele e, segundo, porque o estabelecimento das
metas, tal como foi feito, fez com que grande parte dos produtos já
estivesse adequada ao acordo”. E acrescenta: “A proposta de reduzir o
consumo do sódio não significa a implicação direta na redução do sódio
dos produtos”.
Na
entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, ela assinala
que a “definição das metas não é muito clara”, porque o Idec não teve
acesso aos estudos para identificar quais produtos foram analisados e em
que dados o Ministério da Saúde se baseou para estipulá-las. “A maioria
desses produtos, mesmo com a estipulação das metas, permanece com altas
quantidades de sódio”, informa. E dispara: “Os acordos voluntários não
parecem trazer os benefícios em relação à redução de sódio para melhorar
a saúde da população brasileira. (...) Não basta ter apenas uma meta
mais rigorosa, mas é preciso uma normativa para que as empresas sejam
obrigadas a cumprir uma quantidade mínima de sódio nos alimentos”.
Alimentação
e nutrição é o tema do XV Simpósio Internacional IHU “Alimento e
Nutrição no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, de 05
a 08 de maio de 2014. Confira a entrevista.
Em
que consiste o acordo firmado entre a indústria alimentícia e o
Ministério da Saúde com o objetivo de diminuir gradativamente o uso de
sódio nos produtos?
Esse acordo é voluntário e realizado entre
o Ministério da Saúde e várias associações que representam os setores
da indústria de alimento no Brasil. Ele tem o objetivo de estabelecer
metas de redução do sódio para as diversas categorias de alimentos
processados. O primeiro acordo foi aprovado em 2010 e, desde então, o
Ministério da Saúde vem publicando metas para categorias de alimentos
diferentes. A intensão do acordo é reduzir o consumo de sódio da
população brasileira e faz parte de uma estratégia de redução de sódio
que não inclui apenas esses acordos, mas outras ações do Ministério da
Saúde, como campanhas de educação da população, a questão da rotulagem
nos produtos e outras ações que fazem parte dessa estratégia. No Brasil e
no resto do mundo, o excessivo consumo de sódio é um problema e está
associado ao surgimento de doenças cardiovasculares e hipertensão. Hoje,
o Brasil tem uma epidemia dessas doenças, e como o consumo de sódio é
um dos fatores de risco, é necessário diminuí-lo para enfrentá-la.
Por ser um acordo voluntário, como a indústria recebeu essa proposta?
A
indústria alega que já estava reduzindo, gradativamente, a quantidade
de sódio dos produtos. De todo modo, da maneira como as metas foram
estabelecidas, houve um favorecimento para a indústria, porque,
primeiro, o acordo é voluntário, então as empresas podem ou não aderir a
ele e, segundo, porque o estabelecimento das metas, tal como foi feito,
fez com que grande parte dos produtos já estivesse adequada ao acordo. A
proposta de reduzir o consumo do sódio não significa a implicação
direta na redução do sódio dos produtos.
Qual a quantidade de sódio estipulada pela meta do acordo?
Para
cada uma das nove categorias, há uma meta estipulada. Esse cálculo foi
feito a partir de uma análise do mercado, com amostragem de várias
categorias, para mostrar qual é a média de sódio presente nos produtos.
Por exemplo, no caso do macarrão instantâneo, foram analisadas algumas
marcas e verificou-se que a média do mercado era um valor “x”, o valor
mais alto era “a” e o mais baixo era “b”. Dessa maneira, é possível
identificar a variabilidade do teor de sódio dos produtos.
Entretanto,
a meta da quantidade de sódio foi estabelecida de acordo com os valores
mais altos presentes nos produtos disponíveis no mercado, porque a
intenção é de que somente os produtos com valores mais altos tenham as
taxas de sódio reduzidas. Assim, a definição das metas não é muito
clara, porque não tivemos acesso aos estudos para saber quais foram os
produtos analisados e quais são os dados que basearam a elaboração das
metas, e isso é um problema. O acordo foi pactuado diretamente com as
indústrias e o Ministério da Saúde e, portanto, as metas apenas irão
servir para que os valores mais altos de sódio dos produtos sejam
reduzidos.
É possível saber qual é a variabilidade de sódio dos alimentos?
Temos
algumas informações divulgadas pela Anvisa desde 2010, mas ela não
avaliou todas as categorias de alimentos, e a amostragem desses
alimentos é muito pequena. Mas tenho um exemplo para ilustrar: em 29
marcas de batatas fritas analisadas, os teores de sódio variavam de um
mínimo de 126 miligramas até 716 miligramas a cada 100 gramas. A meta
estabelecida para 2012, a partir desses dados, é de 650 miligramas, ou
seja, está bem próximo do valor máximo encontrado no relatório da
Anvisa. Para 2016, a redução é para 529 miligramas. Diante disso, esse
acordo não nos parece eficiente para ter um impacto na saúde, que é o
grande objetivo do contrato. Se reduzirmos apenas um pouco o valor do
sódio dos alimentos, não terá um impacto significativo nos casos de
hipertensão no país.
Na última pesquisa realizada pelo Idec,
analisamos as categorias estabelecidas no final de 2013 e buscamos
avaliar os rótulos de 95 produtos, que são os embutidos, como
mortadelas, salsichas, presuntos, hambúrguer, empanados, queijo
mozzarella e sopa pronta. Desses produtos, a maior parte deles já possui
um valor de sódio considerado alto pela avaliação que fizemos pelo
Semáforo Nutricional. As linguiças têm em média mais de mil miligramas
de sódio a cada 100 gramas, a salsicha tem 899 miligramas de sódio por
100 gramas, as sopas instantâneas tiveram 328 miligramas. Segundo o
parâmetro do Semáforo Nutricional — que é uma proposta de avaliação dos
valores dos nutrientes de acordo com a quantidade —, acima de 600
miligramas de sódio por 100 gramas é considerado um valor alto de sódio,
e a rotulagem dos produtos tem a cor vermelha para identificar. A
maioria desses produtos, mesmo com a estipulação das metas, permanece
com altas quantidades de sódio.
Qual é a quantidade de sódio recomendada para ser ingerida diariamente e, em média, quanto os brasileiros consomem?
A
pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009, realizada pelo IBGE,
mostra qual é o consumo de sódio no Brasil. O consumo recomendado pela
Organização Mundial da Saúde – OMS é de 2 mil miligramas por dia, ou
seja, dois gramas. Mas o brasileiro consome aproximadamente cinco gramas
de sódio, mais que o dobro do recomendado.
Por que pizzas semiprontas, lasanhas congeladas e salames foram retirados do acordo para reduzir a quantidade de sódio?
Segundo
investigamos com o Ministério da Saúde, alegou-se que as lasanhas e as
pizzas já terão uma redução indireta do sódio por conta da redução do
teor de sódio dos ingredientes, como é o caso do queijo. Essa
justificativa não é suficiente, porque lasanhas e pizzas prontas têm uma
quantidade de sódio muito alta e a redução da quantidade de sódio do
queijo não irá resolver o problema do alto teor de sódio nesses
produtos. No caso do salame, uma das empresas alegou uma dificuldade
tecnológica para reduzir o sódio, porque ele tem função não só de dar
sabor aos alimentos, mas de conservá-los por mais tempo. Não temos como
garantir se, de fato, é essa a razão.
Pode comentar sobre a pesquisa realizada pelo Idec, a qual analisou o rótulo de 95 produtos de nove categorias?
O
Idec fez essa pesquisa para verificar como os produtos que fazem parte
deste último acordo voluntário estão em relação ao sódio. Nas avaliações
anteriores, verificamos que muitos dos produtos já estavam dentro das
metas para a redução. Os produtos analisados recentemente fazem parte do
acordo de 2013, que têm meta de redução da quantidade de sódio para
2015 e 2017. As categorias são queijo mozzarella, linguiça, salsicha,
hambúrguer, empanados, mortadela, presuntos, requeijão e sopas
instantâneas individuais. Dessas categorias, a maioria está dentro das
metas estipuladas. No caso da salsicha, das oito analisadas, todas estão
dentro das metas e não precisaram se adequar aos acordos. No caso dos
hambúrgueres e empanados, dos oito analisados, seis já estão dentro das
metas estabelecidas. No caso do requeijão, analisamos 24 marcas, das
quais 16 estão dentro das metas para 2015 e 14 para as metas de 2017. Ou
seja, somente uma pequena parcela de produtos precisará reduzir as
quantidades de sódio. Uma categoria que terá uma redução mais
significativa será a mortadela, já que nenhum dos produtos avaliados
está de acordo com as metas, e também o queijo mozzarella, porque metade
dos avaliados também precisa reduzir a quantidade de sódio.
Observamos,
com a pesquisa, que essas são categorias de produtos que possuem uma
quantidade de sódio alta e que a grande maioria está dentro da meta, ou
seja, os acordos voluntários não parecem trazer os benefícios em relação
à redução de sódio para melhorar a saúde da população brasileira.
A meta estipulada pelo acordo é equivocada?
A
maneira de calcular a meta tem problemas. A questão é que, se
estipularem uma meta mais rigorosa e o acordo continuar sendo
voluntário, a empresa poderá não querer aderir a ele e não haverá
punição. Não basta ter apenas uma meta mais rigorosa, é preciso uma
normativa para que as empresas sejam obrigadas a cumprir uma quantidade
mínima de sódio nos alimentos.
Existem alguns estudos na
Argentina que mostram a redução gradativa do valor de sódio do pão de
padaria e a população nem percebeu, porque se usa tanto sódio que nosso
paladar nem percebe a redução. Até 20% da redução do valor do sódio é
imperceptível ao paladar.
Seria importante ter uma meta rigorosa
em relação a essa questão, porque aí todas as empresas teriam de se
adequar. Não temos a informação de quais empresas participam do acordo e
quais não. As associações dizem que representam a maior parte do
mercado, mas não temos essa informação para saber se as empresas que se
comprometeram estão cumprindo o acordo. Esse processo de construção do
acordo deveria ser melhorado.
Qual seria a meta ideal para diminuir a quantidade de sódio dos produtos?
Seria
necessário reduzir 20% do valor médio do mercado. Essa é uma sugestão
razoável. A redução vai depender da categoria dos alimentos, porque, de
acordo com a característica de cada produto, alguns permitem uma redução
maior da quantidade de sódio e, outros, menor.
Tribuna do Norte
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